sexta-feira, 31 de julho de 2020

Quando Fui Ao Maracatu

Ela leu um poema pra mim.

Ela leu um poema para mim
e me condenou ao passado.

Seguro agora com os dedos 
e contra o peito
teu peso, tua voz, teu olhar que me traça
como quem tem para si 
uma foto antiga, o preto e o branco.

Ela leu um poema para mim
e agora sou um estrangeiro.

Os cômodos da sala rejeitam o meu corpo,
toco a andar na rua, a polícia me para - querem ver meus documentos,

o meu irmão não me ama mais.

Ela leu um poema para mim
e o tempo dobrou a palavra oboé;
ligo aos amigos, lhes suplico;
diz-me devagar: “o-bo-é”.

Ela leu um poema para mim,
sonho africano de tambor e sangue.


Te espero taciturno e sem apetite,

enquanto uma poeta mineira 
alcança a caneta
para escrever sobre o medo.